Por Moisés Ribeiro – é militante social, poeta
marginal e vendedor de picolé
“Venda Casada é a prática que os fornecedores têm de impor,
na venda de algum produto ou serviço, a aquisição de outro não necessariamente
desejado pelo consumidor. Esse tipo de operação pode também se dar quando o
comerciante impõe quantidade mínima para a compra.”
A casa lotérica além da
comercialização de jogos é também uma prestadora de serviços para a Caixa
Econômica Federal, como correspondente bancário, à qual está subordinada.
No
inicio do mês de agosto fui a uma lotérica aqui no bairro da Brasília onde eu moro
pagar um boleto para o meu cunhado e ao chegar lá me deparei com uma situação
inusitada e ilegal, a obrigatoriedade, por parte da lotérica, para os usuários
dos serviços por eles prestados em fazer um jogo. Já faz um tempo que essa
lotérica, não sei afirmar se as outras fazem o mesmo, tem um caixa onde só se
pode realizar qualquer serviço mediante a realização, ou melhor, a obrigação de
uma aposta. Há um aviso no caixa comunicando os clientes sobre isso, o que já é
uma ilegalidade. Mas pra minha surpresa naquele sábado, ao entrar na enorme
fila, logo percebi avisos iguais em todos os caixas comunicando que aos sábados
todo e qualquer serviço só mediante um jogo e pra não ficar dúvida tinha um cartaz
enorme no centro da lotérica avisando sobre essa obrigatoriedade.
Ao
avistar isso fiquei indignado e revoltado. Como pode alguém ser obrigado a
fazer um jogo? Isso não existe! Ninguém é obrigado a jogar nesse pais. Comentei
com a pessoa que estava à minha frente na fila que isso era ilegal e que eu não
iria me sujeitar àquela situação, mais foi mesmo que falar com a parede da
lotérica, estranhamente não houve reação nenhuma. Decidi então fazer valer meus
direitos, primeiro liguei pra três emissoras de tv da cidade – tv Liberal, Sbt
e Canção Nova -, mas ate o momento em que aguardava pra ser atendido apenas a
tv Canção Nova foi ate o local registrar a minha denuncia. Ao chegarem la
comprovaram o que eu já havia falado ao telefone pra eles e quiseram saber se
eu aceitaria gravar com eles para a matéria, já que normalmente ninguém se
dispõe a fazer denuncia. Evidente que eu falaria e falei. Disse que aquilo era
ilegal e que eu me sentia lesado, pois o serviço prestado pela lotérica é uma
concessão da caixa econômica federal e eles – proprietário ou proprietários –
não podem obrigar ninguém a fazer jogo. Praticamente ninguém mais falou com
exceção de um senhor negro, que tava em
outra fila e relatou à repórter que em outra ocasião tinha enfrentado uma longa
vila e ao chegar ao caixa não pode ser atendido porque não dispunha de dinheiro
para fazer o jogo exigido pela casa lotérica e teve que retornar pra casa sem
realizar o serviço que precisava. Os repórteres ainda tentaram falar com mais
gente, mas ninguém se dispôs. Também tentaram falar com alguém da lotérica para
ouvir a versão deles, mas ninguém quis falar. Os atendentes não gostaram do
fato de eu ter denunciado a ilegalidade à imprensa, mas me atenderam sem nenhum
problema e não me cobraram, evidentemente, nenhum jogo.
Voltei
pra casa disposto a comprar essa briga contra a casa lotérica. Na segunda-feira
pela manhã decidi denunciar o caso na agencia da caixa econômica federal. Fui
até lá e denunciei o caso para um funcionário chamado Robson que me informou
ser ele o responsável pela fiscalização das casas lotéricas em Altamira e disse
que naquele mesmo dia iria até o local para comprovar a denuncia. Decidi
aguardar tanto a exibição da matéria da tv quanto a fiscalização da caixa
econômica pra ver o que ia acontecer.
Na
terça-feira a tv Canção Nova exibiu a matéria e pra minha surpresa os donos da
lotérica tiveram a petulância de mandar uma nota pra redação justificando a
ilegalidade com as desculpas mais esfarrapadas possíveis. Disseram que faziam
isso porque os clientes que vão ate lá fazem todo tipo de serviço, mas não
fazem jogo e que, segundo eles, o jogo é a principal fonte de lucro da
lotérica. Disseram também que são a única casa lotérica em Altamira que fica
aberta ate às 13hs de sábado e recebem todo e qualquer tipo de boleto. Como se
isso fosse justificativa para se praticar crime nessa cidade. Pois é, é
exatamente o que essa casa lotérica estava e ainda esta praticando em Altamira,
crime! Esse tipo de pratica chama-se venda casada e é crime tipificado no
código de defesa do consumidor. Imagino que os donos devam pensar que todo
mundo que vai ate lá é desprovido de conhecimento e senso critico, que ninguém
vai perceber que ta sendo lesado e reclamar e denunciar esse tipo de situação.
“Art. 39 - é vedado
ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
Inciso I:
"condicionar o fornecimento de produtos ou serviços ao fornecimento de
outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites
quantitativos".
Assim,
não pode o fornecedor fazer qualquer tipo de imposição ao consumidor quando da
aquisição de produtos ou serviços, nem mesmo quando este adquire outros
produtos ou serviços do mesmo fornecedor.
Pois
bem, apesar da denuncia que fiz na caixa econômica e da exibição da matéria a
casa lotérica continuou com todos os avisos de obrigatoriedade expostos. Na
quarta-feira decidi voltar à caixa econômica para fazer uma nova denuncia.
Falei novamente com a mesma pessoa que se mostrou surpresa pelo fato da
lotérica não ter retirado os avisos. Disse-me que tinha ido até la, inclusive,
que há poucos minutos atrás tinha falado com a proprietária sobre isso. Ele decidiu ligar pra ela, mas estranhamente
se retirou de onde estava e se dirigiu para uma área restrita onde eu não
conseguir ouvir o que falaram. Como ele demorou demais decidi ir embora. Liguei
novamente para repórter que fez a matéria e sugeri a ela que fizesse uma
reportagem com o funcionário da caixa econômica como forma de forçar a lotérica
a retirar os avisos de obrigatoriedade. Ela disse que o procuraria ainda naquela
semana.
Na
sexta-feira passei pela lotérica e percebi que a situação continuava a mesma.
Decidi então voltar à caixa econômica mais uma vez, mas desta vez fui com a decisão
de apenas comunicar ao funcionário que
se não fosse tomada nenhuma providencia eu iria até o ministério publico
denunciar a casa lotérica e por com seguinte a caixa econômica também, pois era
a terceira vez que eu ia até lá e ele não tomava nenhuma providencia. De fato
nesse dia não perdi tempo na caixa, apenas comuniquei ao funcionário da minha
intenção e me retirei. Parecia estranho que a caixa não tomasse nenhuma
providencia, o que deixa margens pra pensar que existe algum esquema envolvendo
propina para que não se faça a devida fiscalização. Liguei novamente para a
repórter e disse que estava saindo pela terceira vez da caixa econômica e que
mesmo assim a lotérica continuava com os avisos expostos e solicitei a ela que
fizesse a reportagem com o funcionário, mas estranhamente ela me disse que a
chefe de reportagem não tinha autorizado a reportagem, pois a lotérica já havia
se posicionado e que já tinha sido feita uma matéria sobre essa questão. Fiquei
me perguntando qual a compreensão da chefe de reportagem sobre o verdadeiro
jornalismo? Confesso que fiquei desapontado.
Mas
pra minha surpresa na segunda-feira ao passar em frente à lotérica observei que
já não haviam mais os avisos afixados no interior da loja, o que significa que
as denuncias e a pressão que fiz, sobretudo na caixa econômica federal, deram
resultados. O que significa dizer que fiz uma pequena diferença nesse universo
imenso da população de Altamira que usa os serviços das casas lotéricas e que
estavam sendo lesados sem dizer nada. Mas infelizmente essa lotérica continua
praticando o crime da venda casada, pois há nessa loja um caixa onde só se
realiza qualquer serviço mediante um jogo. Fica então a denuncia para que a
caixa econômica federal cumpra seu papel de fiscalizar os serviços das casas
lotéricas, autorizadas a funcionar por ela, para atender a população da melhor
forma possível nessa panaceia que virou Altamira com a chegada dessa obra.